A residência médica é gerenciada pelo Ministério da Educação, e seu regimento é determinado pela Comissão Nacional de Residência Médica. A legislação pertinente àresidência médica assegura alguns direitos aos residentes, como condições adequadas para repouso e higiene durante os plantões, alimentação, moradia, entre outros.
A dúvida que surge é: quem é o responsável por fornecer tais direitos? A União, tendo em vista que é quem financia os programas de residência médica? A própria instituição de saúde, que é responsável pela realização da residência médica?
Apesar de existir uma Lei disciplinando a residência médica e garantindo direitos aos residentes, muitas instituições não cumprem a legislação, sendo necessária a intervenção do judiciário para ver seus direitos garantidos. No entanto, apesar da grande quantidade de processos sobre o tema, ainda existem pontos que não foram definidos pelos Tribunais, como a legitimidade passiva para o cumprimento das obrigações.
Dessa forma, serão feitas neste artigo breves considerações sobre o disposto na Lei e o atual entendimento dos Tribunais sobre a legitimidade passiva nos requerimentos de auxílio-moradia aos médicos residentes.
O que diz a Lei nº 6.932/81?
A Lei nº 6.932/81 dispõe sobre as atividades do médico-residente e dá outras providências. Conforme determinado no artigo 4º da referida Lei, o qual foi alterado pela Lei nº 12.514/11, o médico-residente receberá bolsa mensal, em regime especial de treinamento em serviço de 60 horas semanais.
O §5º do artigo 4º da Lei em questão afirma que as instituições de saúde responsáveis pelos programas de residência médica deverão oferecer ao médico residente, durante todo o período de residência, (i) condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões, (ii) alimentação, e (iii) moradia, conforme estabelecido em regulamento.
Portanto, a Lei que regulamenta a residência médica é expressa ao afirmar que a responsabilidade pelo fornecimento de moradia é da instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica, de modo que é dela a responsabilidade pelo pagamento da indenização devida pelo não fornecimento de moradia.
Qual é o entendimento dos Tribunais sobre o tema?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedentes impondo às instituições de saúde responsáveis por programas de residência médica a obrigação de fornecer moradia no decorrer do período de residência, afirmando que a ausência de alojamento gera o dever de pagamento de auxílio-moradia.
No entanto, muitos juízes ainda entendem que a legitimidade passiva, ou seja, o responsável por pagar o auxílio-moradia, é a União. O fundamento utilizado para justificar este entendimento é de que a União é a fonte pagadora do valor referente à bolsa-auxílio da residência médica, por meio do Ministério da Saúde.
Sob este ponto de vista, a União seria a responsável por custear não apenas a bolsa-auxílio, mas, também, os valores referentes ao pagamento de auxílio-moradia aos residentes que não tiveram moradia fornecida no curso da residência. Deste modo, alguns juízes utilizam tal fundamento para condenar a União ao pagamento do auxílio-moradia.
Todavia, as referidas decisões vêm sendo reformadas. Como era de se esperar, a União, ao ser condenada, recorre da decisão do juiz de 1º grau, questionando sua legitimidade para pagamento do auxílio-moradia.
Diante de tal questionamento, os Tribunais vêm firmando o seguinte entendimento:
“eventual financiamento de bolsas de residência médica pelo Ministério da Educação e Cultura não tem o condão de tornar o ente federal igualmente responsável pelo custeio do auxílio-moradia, porquanto a Lei é expressa ao atribuir a responsabilidade à instituição responsável pelo programa de residência médica. Nada mais natural que a instituição responsável por ministrar a residência médica seja aquela a quem a norma atribua o dever de fornecer alojamento aos estudantes médicos ou, caso não o faça, efetue a necessária compensação pecuniária.”
Portanto, percebe-se que o simples fato de União financiar as bolsas de residência médica não é suficiente para responsabilizá-la pelo custeio do auxílio-moradia, devendo seguir as disposições da Lei quanto à responsabilidade das instituições de saúde.
Destaca-se, ainda, que em determinados casos, as instituições de saúde não possuem personalidade jurídica, como o caso, por exemplo, de hospitais vinculados à Secretaria de Estado de Saúde do Estado. Nesses casos, o ente federativo (Estado, Município…) deverá responder pela obrigação imposta.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que a Lei nº 6.932/81determina que as instituições de saúde responsáveis pelos programas de residência médica devem oferecer ao médico residente, durante todo o período de residência, (i) condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões, (ii) alimentação, e (iii) moradia, conforme estabelecido em regulamento.
Diante da ausência de cumprimento do disposto na Lei pelas instituições de saúde, especialmente em relação ao fornecimento de moradia aos médicos residentes, o STJ e a Turma Nacional de Uniformização (TNU) firmaram entendimento que a ausência de alojamento gera conversão do auxílio em perdas e danos, o qual deverá ser custeado pela própria instituição de saúde.
Tal entendimento vem sendo consolidado nos Tribunais, que estão entendendo que eventual financiamento pela União das bolsas de residência médica não é suficiente para torná-la igualmente responsável pelo custeio do auxílio-moradia.
Entretanto, alguns juízes ainda vêm aplicando o entendimento de que o financiamento das bolsas atrai a responsabilidade da União pelo pagamento do auxílio-moradia. Diante de tal insegurança jurídica, foi proposto um incidente de uniformização para a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais para decidir sobre o tema.
Se quiser saber mais sobre o assunto entre em contato com um profissional especializado.
Referências bibliográficas
BRASIL, Lei nº 6.932 de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm>.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 201201759997. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 07 de março de 2013. Lex: jurisprudência do STJ.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei n. 460 – RS (2017/0247323-0). Relator: Min. Sérgio Kukina. Brasília, 25 de abril de 2018. Lex: jurisprudência do STJ.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Goiás. Recurso Inominado Cível 1036479-48.2021.4.01.3500. Relator Alysson Maia Fontenele. DJe 11/04/2022. Lex: jurisprudência do TRF1-SJGO.