A lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 115, é muito clara ao dizer que o voto deve ser exercido com foco no interesse social. Da mesma forma, é certo que o direito do acionista votante leva em conta além do interesse da sociedade, o seu próprio interesse, sendo ambos conciliáveis, desde que não provoque danos a sociedade.

Nesse sentido, para coibir atos contrários ao interesse da empresa, o referido artigo dispôs sobre o voto abusivo e o conflito de interesse, bem como a vedação ao voto em benefício particular.

Ocorre que, ambos os conceitos, muito importantes para o regular exercício do direito nas votações, ainda causam grande controvérsia. Apesar disso, é primordial entende-los para assim resguardar o interesse da empresa quando necessário.

Neste artigo, traremos breves considerações sobre os desvios no exercício do direito de voto, abordando sobre o abuso de direito, benefício particular e conflito de interesse, a luz do artigo 115 da Lei de Sociedades Anônimas.

  • Voto abusivo.

Nos termos da Lei de Sociedades Anônimas, em termos simples, o voto abusivo é aquele que tenha por finalidade causar prejuízo ao interesse da companhia ou dos demais acionistas.  

O elemento fundamental para a caracterização do abuso é a atuação intencional do acionista. Assim, será abusivo, segundo a lei, ‘aquele voto lançado, ou exercido com o fim de causar dano à companhia, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas’. 

Destaca-se, por gerar muitas dúvidas, que o interesse do acionista votante não é elemento para caracterização do voto abusivo, ou seja, apesar de poder existir, não é preciso que haja um interesse individual pelo votante.

Ademais, tem-se que a Lei das Sociedades Anônimas coloca de modo taxativo, porém, não exaustivas, hipóteses de abuso de direito, como por exemplo a reorganização societária em prejuízo dos demais acionistas, a aprovação de decisões que não tenham por fim o interesse social e a ratificação de ato ilegal de administrador ou acionista. Ver-se-á que nas hipóteses legais o acionista estará impedido de votar, enquanto que em situações não previstas, o voto poderá ser anulado.

Abuso no direito de voto, enfim, haverá se o voto é intencionalmente lesivo à companhia/demais acionistas, satisfazendo ou não um interesse individual ou de terceiro contrário ao interesse da companhia.

  • Voto em situações em que exista benefício particular.

Uma segunda hipótese de vício no exercício do voto, é aquele realizado em benefício particular. A Lei das Sociedades Anônimas prevê, no §1ª do art. 115, que o acionista não pode exercer o seu direito de voto se a deliberação a ser tomada puder beneficia-lo de modo particular.

Há dois tipos de benefício particular:

1 – Aquele que favorece apenas um único acionista (ou alguns deles), por força de um atributo pessoal daquele (s) acionista (s),

2 – Aquele que favorece toda uma categoria de acionistas, por uma distinção estranha aos direitos previstos para as ações que detém,

Assim, na hipótese em que verificar que o acionista auferirá, com a deliberação, um benefício particular, não pode ele votar, devendo, em regra, essa verificação ser realizada antes da deliberação. O padrão de impedimento é totalmente objetivo, qual seja, a existência da vantagem que não seja atribuída a todos os acionistas na mesma condição.

Destaca-se que não é requisito o interesse conflitante ou o exercício abusivo porque a lei não pressupõe vantagem ilícita, pouco importando a existência de interesse pessoal extrassocial por parte do acionista. Logo, a satisfação do interesse da companhia é irrelevante para a análise, já que o voto do beneficiado em particular será sempre irregular.

 Enfim, tem-se que não se trata de proibir qualquer proveito indireto e particular que um acionista possa receber através de determinada deliberação, como por exemplo, a diminuição de um ônus específico, o que pode ocorrer. Mas sim, de impedir a ruptura lícita da igualdade entre os acionistas, em vista da concessão de uma liberalidade a um ou alguns dele, não concedida aos demais.

  • Voto em conflito de interesses.

Por fim, uma terceira hipótese de vício no exercício do voto terceira está naquele exercido na existência de um conflito de interesse.

Corresponde aquela situação em que há incompatibilidade entre os dois interesses: de um lado encontra-se o interesse extrassocial do acionista e, contraposto a este, o interesse da companhia, sendo que a satisfação de um só pode dar-se com o sacrifício ou subordinação do outro.

O interesse em conflito há de ser extrassocial, não decorrente da situação de sócio do acionista. Este interesse extrassocial, estranho mesmo a relação social, é que deve se contrapor ao interesse social. Pode ser encarado em sentido lato (amplo) e stricto (estrito):

1 – Lato sensu – ocorre caso o acionista não cumpra quaisquer de seus deveres (como, por exemplo, o próprio voto com o intuito de causar dano à companhia), já que, como determina a Lei das Sociedades Anônimas, o interesse da companhia sempre deve prevalecer.

2 – Stricto sensu – é entendido como o conflito verificado quando do lançamento do voto em assembleia, ou seja, ao votar, o voto é influenciado por possuir o acionista (ou terceiro) interesse pessoal contrário ao interesse da sociedade.

Observa-se que a lei não proibiu o voto em caso de conflito de interesses – como fez com as outras situações previstas no art. 115, 1§ da LSA, mas sim, que este deve ser verificado tanto a priori, nos casos em que possa ser facilmente evidenciado, quanto a posteriori, nas situações em que não seja manifesto.

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Enfim, como vimos, há diferentes hipóteses em que se configura o desvio no exercício de voto, sendo o acionista de forma taxativa proibido de votar em algumas situações, e em outras é necessário a análise, anteriormente ou posteriormente, para verificar-se a validade do voto.

Apesar das disposições estarem contidas na Lei das Sociedades Anônimas, sabe-se que subsidiariamente podem ser aplicadas a outros tipos de sociedades empresariais, por isso, é importante que todo empresário que tenha sócio esteja atento as disposições.

Ora, todo empresário sabe o quanto um voto ou um acionista que se porte contra os interesses da empresa pode ser prejudicial, por isso, entender os conceitos de impedimentos de votos e as possibilidades de anulação são importantes para garantir o crescimento da empresa.

Nessas situações, além de saber diferenciar o voto abusivo, o benefício particular e o conflito de interesses, figuras distintas frequentemente confundidas, também é importante contar com o apoio de uma advocacia especializada, tornando as decisões mais seguras.